Ao ter o primeiro sintoma estranho, a jornalista Mariana Machado, 47 anos, percebeu que não devia ficar em casa. A falta de ar, tão representativa da covid-19, podia ser um indicativo de um temido diagnóstico. De fato, era. Poucos dias depois, recebeu o resultado de um teste positivo para coronavírus.
Dali em diante, vieram dias de isolamento enfrentados em casa, sozinha, sabendo que não poderia ficar perto da família. ‘Ter a certeza de se estar com a covid-19 em meados de maio, na Bahia, era quase como ter uma sentença de morte por um crime que você não cometeu”, diz. Em um relato enviado ao jornal Correio da Bahia, ela conta como sobreviveu ao coronavírus.
”Hoje, eu faço 47 anos. E, como a maioria dos 82 mil baianos infectados até sábado (4), sobrevivi à covid-19. Aquela que já é considerada a pior pandemia do século XXI marcará a vida da humanidade, sim, de diversas maneiras. Muitas dessas histórias são imensamente tristes. Essa é a minha história. Uma história de dor física, psicoló- gica mas também de solidariedade e, principalmente, de superação! Numa noite nos primeiros dias de maio, senti um leve desconforto para respirar. Puxava, mas o ar não vinha. No dia seguinte, percebi que estava, de fato, com falta de ar e era um sintoma muito sugestivo para ficar em casa.
Procurei num dos serviços digitais de monitoramento do coronavírus do governo do Estado e fui aconselhada pelos médicos a procurar uma unidade de saúde mais próxima de casa. Estava sozinha e teria de enfrentar isso sozinha, afinal já era 1h30 da madrugada e eu morava só.
Peguei um Uber na portaria do condomínio. Cheguei à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e fui imediatamente atendida. A médica no plantão, apesar de muito jovem, demonstrava uma segurança e firmeza impressionantes. Conversou sobre a saturação de minha respiração, sobre a grande quantidade de pacientes entubados e, para afastar qualquer possibilidade de ser uma crise de ansiedade, pediu um raio-x do tórax.
Tudo muito rápido, inclusive o resultado: infecção respiratória com suspeita para covid-19. No raio-X, a médica ainda pôde me mostrar as lesões que já havia em meu pulmão. Me receitou azitromicina, teste RT-PCR e 14 dias de isolamento social total e me mandou para casa. Incrédula e trêmula, fiz tudo no automático.
Quando saí da UPA, quase 3h da manhã, sem transporte, é que me dei conta de que, na minha vida, nada mais era normal. Liguei para dois amigos, mas nenhum estava em Salvador. Quando deu 4h da manhã, lembrei que em Canterberry, na Inglaterra, já eram 8 horas. E era lá que estava minha irmã mais velha, Marivane, aquela que toda a minha vida, esteve ao meu lado. Ela pediu o endereço da UPA e mandou esperar um pouco. Em menos de uma hora, para um motorista, num carro branco, e pergunta: “você é Mariana? Eu vim te buscar”. Entrei no Uber já aos prantos.
Era quarta-feira. Às 6h da manhã, já estava em casa, com o medicamento comprado e entregue via delivery. Minha família toda se mobilizou para me dar apoio. Meus pais, distantes, apenas choravam e rezavam. Minhas irmãs e meus sobrinhos providenciaram tudo o que eu precisasse para não passar por dificuldade. A partir daí, começou a agonia pelo monitoramento diário de meus sintomas. Dor no peito, calafrios imensos, dores abdominais de me fazerem gritar. E diarreia, muita diarreia. Cada dia, um sintoma novo. E um medo diferente. Noite e dia se fundiram nas minhas jornadas diárias que incluíam apenas uma refeição e poucas horas de sono. O apetite desapareceu.
Quatro dias após ter ido à UPA, recebi o resultado do Lacen pelo telefone. Deu positivo para covid-19. Se o quadro piorasse, eu deveria procurar uma unidade de saúde. Ter a certeza de se estar com a covid-19 em meados de maio, na Bahia, era quase como ter uma sentença de morte por um crime que você não cometeu. Eu tinha de ficar longe de todos que amava, para protegê-los. Doía especialmente quando minhas irmãs me traziam comida e deixavam num banco, na porta do meu apartamento. Depois, elas se afastavam da porta e, de longe, pediam para me ver. Tentavam sorrir, mas nenhuma das duas, Marivete ou Adriana, conseguia disfarçar a tristeza ao me verem tão abatida.
Minha cabeça deu um nó! Isolamento social não é um ato saudável para a mente de ninguém. Imagine o isolamento solo. Só eu e Deus. Por 21 dias orei, rezei, questionei e chorei, chorei muito. O medo da morte me rondava, à espreita, 24 horas. Mas se, de um lado eu estava apavorada, de outro, fui surpreendida por uma infinidade de declarações de amor, amizade, solidariedade.
Ao fim de duas semanas, os sintomas desapareceram. Mas eu ainda teria de refazer o teste RT-PCR para voltar a trabalhar, o que demorou mais 2 semanas. Antes disso, após 3 semanas de infecção, eu pude dar meu primeiro abraço: foi no meu namorado. Um abraço longo, profundo, silencioso, mas que dizia muita coisa. Cheio de lágrimas e paz. Enfim, eu venci a covid-19”.