A viagem de mototáxi da base até o topo do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, sai por R$ 5. No caminho para a subida, estão o bar com mesa de bilhar – e sua oferta combinada de refresco e coxinha por R$ 3,50– e a faixa em homenagem cristã (“Ergo a bandeira da vitória em nome de Jesus”, diz a frase). No alto, a laje de um hotel é rodeada por uma das mais belas vistas da capital fluminense. O cenário da comunidade carioca repercute internacionalmente desde segunda-feira (18), quando o clipe de “Vai Malandra”, novo hit de Anitta, ambientado no local, foi lançado como desfecho do projeto “CheckMate”. Trata-se do último dos quatro videoclipes que a cantora lançou em quatro meses. O vídeo, que quebrou recordes no streaming e já somava mais de 35 milhões de visualizações no YouTube até a conclusão desta edição, levantou debates sobre apropriação cultural e objetificação do corpo feminino. Nada com que Anitta não tivesse lidado antes, a não ser pela escolha pelo fotógrafo americano Terry Richardson, acusado de assédio sexual, para a direção do clipe. Blindada por uma equipe de assessores e munida com a justificativa de uma agenda comprometida –a cantora tinha 12 shows agendados para este mês, fora ações promocionais e a administração da carreira–, Anitta desvia de entrevistas questionadoras e limita-se a interagir com seu público via redes sociais. A forma como as comunidades são retratadas pela indústria cultural apenas tangencia moradores do Vidigal, acostumados com visitas de ilustres como Naiara Azevedo e Ivete Sangalo, que movimentam o turismo local. “É uma ficção, você tem que pensar no que isso trouxe, que foi o olhar internacional para dentro de uma favela no Rio” diz Ana Lima, 41, moradora do morro e guia de turismo da Trilha Dois Irmãos, que faz excursões pela comunidade. A faixa virou nome de um baile funk comandado por MCs mulheres na laje do hotel Mirante do Arvrão, onde a cena do bronzeamento com fita isolante foi gravada. É lá também que, nos dias de folga do Bar da Laje, Rodrigo Motta, 26, busca wi-fi para interagir nas redes –desde que atuou no clipe besuntando mulheres com bronzeador, o barman ganhou mais de 20 mil seguidores no Instagram. “Num momento em que você tem um monte de funk ostentação, muitas vezes as pessoas que moram aqui podem sonhar com aquilo, mas não veem a sua realidade ali. O cara quando chega aqui anda de mototáxi, a menina veste C&A [marca patrocinadora de ‘CheckMate’]”, diz Daniel Graziane, 35, sócio do hotel. Para ele, ainda que o clipe não retrate o todo, uma parte da favela é representada. “A menina de trancinha não se vê na novela, mas se vê na Anitta, isso vale muito.” A representante comercial Dailene Oliveira, 36, possui marquinha de biquíni destacada, mas nega usar a técnica de fita isolante criada por Érika Bronze. “Mando fazer meus biquínis todos iguais.” Ela diz que não viu o clipe, mas comenta cenas, figurinos e críticas. “Tenho noção de que é ficção, mas nem todo mundo tem, as pessoas acham que está vulgarizando o lugar em que a gente mora.” O mototáxi Luís Fernando, 31, afirma que a visibilidade tem sido boa para os negócios, mas expõe ressalvas. “Foi um pouco vulgar. A pessoa que é evangélica vai ver um cara de sunga dentro da comunidade, alguém de biquíni com aquele bundão pra fora, vai ficar sem graça”, diz ele, que é evangélico. “Ajuda [o turismo], mas aumenta muita coisa, como o aluguel.”