Medo e o tiro no pé

”O senhor está com medo!”. O que poderia ser mais uma pergunta, foi uma constatação. O senador Ciro Nogueira, (PP-PI) líder do bloco Centrão, desnudou para os brasileiros a situação do senador Renan Calheiros (MDB-AL) relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid 19. Criada inicialmente para averiguar supostas omissões do Governo Federal no combate à pandemia, a CPI, por pressão de senadores que apoiam o presidente Jair Bolsonaro, acabou tendo que incluir governadores e prefeitos nas investigações, por considerá-los os reais gestores do dinheiro público recebido para as ações de combate à pandemia.

Pai do governador de Alagoas, Renan Filho, Renan Calheiros terá que analisar a gestão do filho, caso este seja inquirido sobre como, se, quando e onde gastou os recursos federais no combate à pandemia do coronavírus. Da mesma forma, outro integrante da CPI, na condição de suplemente, o senador Jader Barbalho, se verá às voltas com o mesmo problema, já que é pai do governador do Pará, Jader Filho. E Renan tem ainda contra si o fato de ser réu em vários processos no Supremo Tribunal Federal (STF) e responder a muitos outros inquéritos em várias instâncias da justiça.

A quase confissão de medo de Renan Cacheiros, na semana passada, deverá ser apenas uma das inúmeras que virão, uma vez que contrariando o escopo original dos idealizadores da CPI, de investigar unicamente o Governo Federal, governadores e prefeitos acabaram sendo arrolados nos pedidos de investigações. E caso não venham a ser investigados, por decisão da maioria dos senadores integrantes da CPI, que são opositores do presidente da República, se caracterizará a natureza político eleitoreira, deixando sem respostas para a população para onde, como, quando e o que foram feitos dos quase R$ 700 bilhões que a União enviou no ano passado, para estrados e municípios, para o combate à pandemia.

Com a convocação dos ex-ministros da saúde Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, além do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, a CPI mostrou um forte indicativo político contra o presidente da República, Jair Bolsonaro. Isso ficou evidente na decisão de hoje, quando deverá depor, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. A estratégia é a de não investigar tecnicamente a sua gestão, mas sim de desgastar o ex-ministro até a exaustão, para ver se ele entrega elementos que possam incriminar o presidente Bolsonaro.

O medo de Renan Calheiros parece contagiar outros membros da CPI, não por causa das averiguações das supostas omissões do Governo Federal, mas porque o tiro parece prestes a sair pela culatra. São os governadores e prefeitos que administraram os vultosos recursos federais e que adotaram, ´por decisão do STF em abril do ano passado, as políticas de enfrentamento da pandemia, como os lockdowns e toques de recolher, e por isso mesmo eles é que deverão explicar como e se gastaram de forma correta o dinheiro recebido. Esse medo parece ter aumentado desde a última sexta-feira, com a decisão unânime de deputados do Rio, de Janeiro de aprovar o impeachment do governador Wilson Witzel.

Afinal, Witzel foi flagrado em operações que comprovaram o desvio de recursos federais na pandemia. Diferente de outros períodos, quando os crimes de corrupção eram apurados após o acusado deixar a função pública, hoje a CGU (Controladoria Geral da União), Polícia Federal e Ministério Público Federal acompanham ”in loco” as denúncias e abrem inquéritos contra os gestores com estes ainda no exercício do cargo.

A manifestação do senador-relator da CPI do Covid, Renan Calheiros, e de outros senadores integrantes da CPI, tem origem. Não há como isentar governadores e prefeitos de prestarem esclarecimentos sobre o uso de verbas federais para combater a pandemia. O líder do Democratas no Senado, senador Marcos Rogério (DEM-RO), foi enfático ao dizer parta o senador Renan Calheiros: ”Eu não sei qual o medo que o relator tem. Vossa excelência está relatando um medo absurdo aqui”. disse. O recado em si foi para Renan, mas a carapuça cabe nos demais integrantes da CPI, pois para malgrado dos que as idealizaram, as investigações podem vir a ser um tiro no pé, e atingir um público alvo que não esperavam.

As megamanifestações do 1º de maio em apoio ao governo deve ter causado calafrios nos que não enxergam a indignação popular que se espraia por todos os setores da sociedade. Ai sim, dá medo para alguns.

*por Adilson Fonseca, jornalista do Jornal Tribuna da Bahia