Entenda semelhanças e diferenças do elo de Bolsonaro e de ministra de Lula, Daniela, com milicianos

Um defendeu grupos criminosos; a outra andou ao lado de condenado

As relações políticas da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), com milicianos levou apoiadores e opositores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a cobrarem o petista pelas críticas feitas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por elos semelhantes.

O principal pivô de críticas a Bolsonaro e ao seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), era o vínculo com o ex-PM Adriano da Nóbrega, acusado de comandar a milícia da favela Rio das Pedras, a mais antiga do Rio de Janeiro, e o chamado ”Escritório do Crime”, um grupo de assassinos de aluguel.

Adriano foi morto numa operação policial em fevereiro de 2020, após passar um ano foragido.

Daniela Carneiro é alvo de pressão desde que a Folha mostrou o vínculo que seu grupo político mantém há ao menos quatro anos com a família do ex-PM Juracy Prudêncio, o Jura, condenado a 26 anos por homicídio e associação criminosa.

A ministra também recebeu apoio eleitoral de outros acusados de liderar grupos armados na Baixada Fluminense.

As relações da família Bolsonaro e o grupo político de Daniela com grupos criminosos têm graus e assiduidades distintas.

A família Bolsonaro fez defesa pública da atuação de milícias, prática sem registro em relação a Daniela. A ministra, por sua vez, fez campanha ao lado de Jura mesmo após sua condenação por chefiar um grupo criminoso, situação jurídica não enfrentada por Adriano.

Bolsonaro e Flávio afirmam que não tinham mais contato há anos com Adriano da Nóbrega e negam defender a prática de crimes. Daniela tem dito que ‘não compactua com qualquer ato ilícito e cabe à Justiça o papel de julgar e punir”.

Veja abaixo semelhanças e diferenças dos elos dos Bolsonaros e de Carneiro a milicianos.

NÍVEL DO CARGO ENVOLVIDO

Na gestão Bolsonaro, os vínculos com milícia chegaram à Presidência da República. No caso atual, trata-se de elos com o Ministério do Turismo.

DEFESA PÚBLICA DE MILÍCIAS

Bolsonaro defendeu publicamente a ação de grupos de extermínio, no plenário da Câmara. A fala ocorreu em 2003, ao responder a um deputado que horas antes havia afirmado que o Governo da Bahia, na época, assumira pela primeira vez a existência de esquadrões da morte na região.

”Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, esses grupos de extermínio, no meu entender, são muito bem-vindos. E se não tiver espaço na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o apoio, porque no Rio de Janeiro só as pessoas inocentes são dizimadas. Na Bahia, as informações que tenho —lógico que são grupos ilegais, mas meus parabéns— [são a de que] a marginalidade tem decrescido.”

Bolsonaro também criticou, em 2005, a condenação de Adriano da Nóbrega pela morte de um flanelinha que havia denunciado extorsão praticada por policiais militares. Ele classificou o então tenente como um ”brilhante oficial”.

Flávio Bolsonaro também defendeu a organização de milícias no Rio de Janeiro.

“Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública.”

Não há, até o momento, registro de defesa pública feita por Daniela Carneiro sobre a existência de milícias ou de seus aliados acusados.

RELAÇÕES FINANCEIRAS

O Ministério Público afirma que contas bancárias controladas por Adriano da Nóbrega foram usadas para movimentar recursos do esquema da “rachadinha” atribuída a Flávio Bolsonaro. A informação consta da denúncia feita contra o senador, arquivada após a anulação das provas.

Na mesma acusação, a Promotoria afirma que a mãe e a ex-mulher de Nóbrega eram ”funcionárias fantasmas” do antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. A prática era uma das formas de alimentar o esquema de desvio de dinheiro, segundo o MP-RJ.

Ainda não há relatos de transações financeiras entre Carneiro e milicianos. Contudo, há suspeita sobre nomeações feitas pelo marido da ministra, o prefeito de Belford Roxo, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho (União Brasil).

Jura foi nomeado como assessor na prefeitura em julho de 2017 a fim de obter o benefício de trabalho fora da prisão. Ele ficou no emprego até janeiro de 2020, quando a Justiça suspendeu a autorização após identificar irregularidades na atuação do miliciano.

Fotos nas redes sociais mostram Jura participando de atos de campanha no horário de trabalho, prática não autorizada pela Vara de Execuções Penais.

Investigação do Ministério Público também mostrou indícios de que ele não comparecia ao trabalho.

As folhas de ponto, apresentadas como prova de comparecimento ao trabalho, estavam assinadas pelo secretário Robenilson Fernandes, mesmo em períodos nos quais ele não estava no cargo como chefe imediato de Jura.

Waguinho também nomeou no município Rosimery Pagniez, irmão do ex-vereador Márcio Pagniez, o Marcinho Bombeiro, preso sob acusação de integrar uma milícia.

Ela consta como secretária-executiva da Saúde, embora se apresente como despachante nas redes sociais. A prefeitura afirmou que a atuação como documentalista ”pode ser exercida fora do horário de trabalho”. Outros dois acusados de integrar milícias foram nomeados como secretários da prefeitura.

SITUAÇÃO JURÍDICA

Jura tem duas condenações transitadas em julgado desde 2014. As penas impostas a ele somam 26 anos pelos crimes de homicídio e associação criminosa.

Daniela Carneiro fez campanha ao lado do ex-PM quando ele já cumpria sua pena em regime semiaberto —graças à nomeação na prefeitura. Ela também fez campanha com a mulher dele, Giane Prudêncio, após a Justiça revogar o benefício ao miliciano.

A ministra fez campanha ao lado de outros três milicianos após serem presos e se tornarem réus pelas acusações.

Adriano da Nóbrega, por sua vez, era conhecido nos bastidores da polícia como um assassino de aluguel. Contudo, até janeiro de 2019, o ex-PM era um homem livre sem qualquer acusação.

Ele havia sido denunciado e preso três vezes sob acusação de homicídio e tentativa de homicídio desde 2003. Também chegou a ser condenado. No entanto, todas as sentenças foram revistas e o ex-capitão, absolvido.

Foi pela condenação depois revertida que Bolsonaro o defendeu na Câmara dos Deputados.

A única punição definitiva de que foi alvo até janeiro de 2019 foi a expulsão da Polícia Militar. A exclusão da corporação se deu em razão de sua atuação como segurança de bicheiros.

Mesmo após a punição, Flávio Bolsonaro manteve a ex-mulher de Adriano em seu gabinete. O senador também empregou a mãe do ex-capitão na Assembleia em 2016.

Adriano se tornou foragido apenas em janeiro de 2019, quando foi deflagrada a Operação Intocáveis. Ele teve a prisão preventiva decretada sob acusação de chefiar a milícia de Rio das Pedras, a mais antiga da capital fluminense.

PROXIMIDADE PÚBLICA

Daniela Carneiro subiu no palanque e fez caminhada com ao menos quatro acusados de integrar milícias em Belford Roxo (um deles condenado), e parentes de outro réu pelo crime. Os atos de campanha eram divulgados pela própria ministra ou por seus aliados em redes sociais.

Ela chegou a classificar Jura como “liderança” numa publicação em rede social, apagada após revelada pela Folha.

Não há, por sua vez, registro público de Bolsonaro e Flávio participando de ato de campanha ao lado de Adriano da Nóbrega.

Os elos mais recentes ao período em que a família estava na Presidência da República se dava por meio de parentes do ex-PM empregados até 2018 no antigo gabinete do senador na Assembleia.

Mensagens apreendidas pelo Ministério Público mostram, inclusive, a preocupação da família em manter a relação com o ex-PM desconhecida do público. O ex-PM Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro da ”rachadinha’, chegou a cogitar demitir Danielle Nóbrega, ex-mulher de Adriano, a fim de evitar associação com o miliciano.

A mulher de Queiroz também teve um encontro secreto com a mãe de Adriano a fim de manter contato com o miliciano no período em que ele estava foragido.

Flávio também homenageou na Assembleia policiais que, posteriormente, foram acusados e condenados por crimes como homicídio e extorsão.

*por Italo Nogueira / Folha de São Paulo