”Com dinheiro tudo se consegue”, relatou denunciante sobre venda de sentenças na Bahia

Antes da Operação Faroeste, houve um assassinato à queima-roupa e em plena luz do dia. O crime foi procedido de outro homicídio, ainda não esclarecido, mas que serviu de pivô para as investigações que culminaram no afastamento e denúncia de quatro desembargadores e três juízes de primeira instância do Tribunal de Justiça da Bahia por esquema de venda de sentenças em processos de grilagem de terra no oeste do Estado.

A morte do corretor de imóveis Genivaldo dos Santos Souza, denunciante do suposto esquema, levou o Ministério Público Federal a se debruçar sobre o depoimento que prestou e autenticou em escritura pública em 2014. À época, Genivaldo afirmou ter ouvido uma conversa entre um homem chamado Joilson Dias e ”Adailton”.

O relato de Genivaldo descreve uma situação ocorrida no final de dezembro de 2013. Segundo o denunciante, Joilson e Adailton estavam ‘comemorando uma vitória no Tribunal’ em uma lanchonete em que ele estava, sem se importar em serem ouvidos.

Joilson Dias é filho de José Valter Dias, borracheiro que se tornou o ‘maior latifundiário do oeste baiano’ e suposto laranja de Adailton Maturino, que se apresentava como ”cônsul” de Guiné-Bissau e idealizador da ‘teia de corrupção’ que pegou magistrados baianos.

”O Sr. Joilson, o mais empolgado, dizia abertamente que com dinheiro tudo se consegue, que a corrupção rola solta e que com dinheiro, não precisa nem de advogado”, relatou Genivaldo. ”Escutei o Sr. Joilson falar que havia gastado muita grana para conseguir a posse dos imóveis na coaceral. Disse que para conseguir a decisão, entregou para a desembargadora R$ 800.000,00 para ela comprar um apartamento, além de R$ 1.000.000,00 em dinheiro”.

O repasse de propinas, segundo Genivaldo, dava a certeza que ‘o outro pessoal não ia conseguir derrubar a liminar de jeito nenhum’.

O processo em questão, de acordo com o Ministério Público Federal, é a liminar concedida pela desembargadora Maria da Graça Osório no dia 04 de setembro de 2013 para a abertura de 17 matrículas de compra e posse de imóveis no oeste da Bahia em prol de José Valter Dias. Segundo a procuradoria, a decisão foi ‘manifestamente ilegal’, visto que a determinação só poderia ter sido tomada após o trânsito em julgado do processo.

”Há evidências de que o móvel que justificou a formação do livre convencimento da Desembargadora Maria da Graça Osório foi o recebimento de vantagem indevida na ordem de R$ 1,8 milhão por Adailton Maturino”, aponta o Ministério Público Federal, que cita 54 troca de mensagens entre a magistrada e Maturino e movimentações financeiras suspeitas de R$ 1,798 milhão.

Assassinatos. A denúncia de Genivaldo teria levado ao seu homicídio em 29 de julho de 2014, ‘coincidentemente’ após a lavratura do depoimento sobre o repasse de propinas à Justiça baiana. O denunciante foi morto com oito tiros em plena luz do dia e em praça pública no centro de Barreiras, município no oeste da Bahia.

A investigação aponta que a morte do corretor foi encomendada. As investigações identificaram o guarda municipal Otieres Batista Alves como executor do crime e que ele teria sido pago para matar Genivaldo. Em setembro de 2018, o agente foi morto a tiros em Cotegipe, município do extremo oeste baiano, em atentado com características de execução.

O Ministério Público Federal aponta que os crimes foram conduzidos para ‘evitar a identificação dos verdadeiros mandantes’ do assassinato de Genivaldo. O caso até hoje não foi esclarecido.

COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA ANDRÉ LUÍS CALLEGARI

O advogado criminalista André Luís Callegari, que defende a desembargadora Maria do Socorro, disse. ”A defesa da desembargadora Maria do Socorro está analisando a denúncia oferecida pelo MPF. Porém, todos os esclarecimentos serão prestados por ocasião do contraditório que se estabelecerá com resposta nos termos da Lei 8.038/90. De outro lado, uma vez oferecida a denúncia nada mais justifica a prisão preventiva da acusada porque não subsistem mais os fundamentos da custódia cautelar, sendo desnecessária a medida extrema nesse momento processual”, disse o criminalista André Luís Callegari.

COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA

Quando a Operação Faroeste foi deflagrada, em novembro,o Tribunal de Justiça da Bahia declarou:

”O Tribunal de Justiça da Bahia foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal desencadeada na manhã desta terça-feira (19/11/19). Ainda não tivemos acesso ao conteúdo do processo. O Superior Tribunal de Justiça é o mais recomendável neste atual momento para prestar os devidos esclarecimentos. A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do Tribunal de Justiça da Bahia serão prestadas, posteriormente, com base nos princípios constitucionais.

Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza constitucional, conforme consagrado no artigo 5.º, inciso LV: ”aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.”

Ambos são princípios constitucionais e, também, podem ser encontrados sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais. Logo, devem sempre ser observados onde devam ser exercidos e, de forma plena, evitando prejuízos a quem, efetivamente, precisa defender-se.

Quanto à vacância temporária do cargo de presidente, o Regimento Interno deste Tribunal traz a solução aplicada ao caso concreto. O 1.º vice presidente, desembargador Augusto de Lima Bispo, é o substituto natural.” Informações do Estadão