Bolsonaro vai tentar um golpe em 2022, ganhe ou perca, diz autora de livro sobre extrema-direita

A Pesquisadora baiana Michele Prado é de direita. Foto: Divulgação

A pesquisadora baiana de direita Michele Prado lançou recentemente o livro ”Tempestade Ideológica – Bolsonarismo: A Alt-Right e o Populismo I-Liberal No Brasil”, no qual descreve o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como um político de extrema direita, mas com um diferencial em relação a outras análises – Michele explica a origem do pensamento que dá sustentação ao bolsonarismo.

Nesta entrevista ao site Política Livre, ela traça um paralelo entre expressões passadas e a atual da direita brasileira e confirma que bolsonarismo e petismo se retroalimentam. Salienta, no entanto, que, embora o petismo tenha sido populista e também tenha realizado práticas de assédio online, patrulha ideológica e corrupção, os representantes do partido, derrotado nas eleições de 2018, ainda têm traços de respeito às instituições democráticas.

Para a pesquisadora, que se auto-define como de direita, o bolsonarismo é a destruição e o radicalismo; ela também aponta o filósofo Olavo de Carvalho como principal agente de radicalização do movimento que levou Bolsonaro à Presidência da República e que, no limite, serviria para provocar uma ruptura democrática. Para Michele, Bolsonaro deve tentar um golpe em 2022, ganhe ou não as eleições.

Confira os principais trechos da entrevista abaixo:

Michele, você é baiana. Em que medida a história da Bahia influiu na sua decisão de estudar a extrema direita? Em em que a sua experiência aqui te influenciou a estudar esse movimento?

Pergunta fantástica. Muito foi justamente por ser baiana, por ter vivido todo esse tempo em Salvador, e ter vivido no dia a dia algo que a gente não tem em outros locais, a diversidade cultural, étnica, religiosa que a gente encontra em Salvador. Fui criada no Rio de Janeiro, mas sou baiana de nascimento, nasci em Conquista, mas eu fui criada no Rio de Janeiro até os 10, 11 anos mais ou menos. Morei em São Paulo também e me encontrei em Salvador. E com a vivência em Salvador – vinte e três anos – eu observava que a gente tem uma facilidade maior de conviver pacificamente com o diferente e até festejar com os diferentes também. Toda a parte religiosa também, né? Que a gente tem um candomblé e tem a Igreja Católica também conversando com muito respeito um com o outro; nós não vemos ações beligerantes de um lado ou do outro. Isso, conforme fui estudando a extrema direita e analisando melhor os conceitos, isso me chamou bastante atenção, pois nós vivemos num Estado que aceita melhor o heterogêneo. De repente ficar de cara com certos conceitos nos quais a homogeneidade é procurada e o diferente é não somente excluído, mas também aniquilado… Eu comecei as pesquisas não exatamente por que morei em Salvador, mas foi mais por ver o radicalismo na bolha da direita, na qual a gente se conheceu, inclusive.

Sim, verdade. Quando se falava em direita na Bahia, esse conceito era muito associado à figura do ex-senador ACM, ao carlismo. Quais as diferenças e aproximações que você vê entre carlismo e bolsonarismo, essa referência de direita ou de extrema direita que se tem hoje?

Até um determinado tempo a referência que o baiano tinha de direita era relacionada ao carlismo, com críticas, inclusive, dentro da própria direita baiana, pois o carlismo nunca foi uma unanimidade. Mas em relação ao bolsonarismo, há muitas diferenças, pois os conceitos que alimentam o bolsonarismo hoje são diferentes daqueles que animaram o carlismo. O que vivemos hoje é uma quarta onda da extrema-direita que chegou ao Brasil através muito do olavismo [movimento baseado na filosofia de Olavo de Carvalho] – que é o que está explicado no livro -, trazendo também elementos de uma corrente norte-americana denominada alt-rigth [direita alternativa]. O carlismo e o bolsonarismo se encontram, mas é muito pouco. O carlismo era vivido em um contexto [mundial] de guerra-fria, havia a ditadura militar; o ACM conseguiu construir um império de poder como outros “coronéis”, notadamente do Nordeste -, mas hoje temos um mundo globalizado e livre, vivemos em uma democracia liberal. Hoje há uma extrema-direita mais jovem, transnacional e que se conecta no mundo inteiro. Os conceitos passam de forma muito rápida e radicalizam mais rápido as pessoas, e insiste na radicalização como forma de conseguir um colapso e provocar uma ruptura democrática e institucional. A grosso modo, é bem diferente do carlismo. Mas o ex-prefeito ACM Neto, no DEM, tem se radicalizado, já está muito mais parecido com o bolsonarismo, inclusive com muitos quadros radicais e de extrema-direita dentro do DEM, o que é uma pena.

O que se observa é que no bolsonarismo há uma dificuldade para aceitar divergências mínimas de pensamento. Ainda comparando com ACM, ele permitia divergências de pensamento, mas desde que permanecessem perto dele.

O bolsonarismo é extrema direita. E não é algo surgido espontaneamente, sem muito nexo, como um bando de aloprados. Existem conceitos que regem o imaginário desse pessoal, existem os influenciadores, existem os agentes que trabalham com os conceitos da alt-right, que trabalham pra divulgar esses conceitos e radicalizar as pessoas, e o bolsonarismo, é essencialmente de extrema direita, os métodos utilizados foram da Direita Alternativa: memes, trolls, assédio online. Tudo isso que reúne as diversas correntes radicais extremistas da direita mundial hoje. Por procurarem a ruptura institucional, seus conceitos são calcados em rejeição ao liberalismo, aos princípios liberais. Eles obviamente não aceitam nenhuma opinião divergente. Primeiro porque eles não acreditam em princípios liberais como dignidade humana, divisão de poderes. Como no cerne deles há essa tendência anti-liberal, a tendência é que eles não respeitam nenhum tipo de de pensamento que divirja. Tem também um aspecto de seita que foi muito fomentado pelo Olavo de Carvalho.

Você vê o olavismo como principal influência ou também identifica outras correntes?

A principal influência é do olavismo, sem dúvida, e é isso que está no meu livro. Mas o Olavo de Carvalho não criou esses pensamentos, todas essas ideias vieram da extrema direita internacional. Obviamente que há diferenças em um ou outro momento, por exemplo, entre ele e o Alexander Dugin – ele sempre disse [isso], mas na verdade quando você estuda um e outro, vê que o antagonismo é fictício. Porque Dugin representa Rússia, mas as ideias são basicamente as mesmas coisas e vieram dos mesmos pensadores, das mesmas correntes da extrema direita. Parte considerável da “Nouvelle Droite” (Nova Direita) francesa, de 1968, que é a direita gramcista, do paleo-conservadorismo que depois deu origem à alt-right, dos Estados Unidos. Tem muita coisa do perenialismo, apesar de ele ficar insistindo que não gostava de René Guenon ou Giulis Evola. Ele sempre fez esse jogo: diz que não gosta, mas fica introduzindo o trabalho dessas pessoas. Ele trouxe muito dos conspiracionistas, principalmente dos Estados Unidos. Sem dúvida nenhuma, ele é um dos principais responsáveis pela radicalização do Brasil, da direita, e desse estado lamentável em que a gente se encontra.

Como vencer então esse extremismo?

Essa resposta vale um milhão de dólares. Antes de acabar com isso, a primeira coisa [necessária] é informação. As pessoas precisam saber, por exemplo, que determinadas teorias que elas estão compartilhando, além de não serem verdadeiras, além de serem teorias conspiratórias, são ideias oriundas dessa extrema direita que despreza outros indivíduos, que acredita em superioridade racial. Depois disso, a gente precisa inocular princípios liberais de separação de Poderes, estado democrático de direito, sobre como se forma uma democracia onde as pessoas são respeitadas, onde as minorias são protegidas, onde a imprensa precisa ser livre e isso a gente precisa inocular diariamente, pois falta alfabetização democrática. Se as pessoas no processo de multidão, de radicalização e elas não têm os conceitos corretos do que é uma democracia, a tendência é elas acharem que um autocrata ou um presidente de mão forte é o ideal.

Você enxerga que a experiência dos EUA, com a eleição de Joe Biden depois de Donald Trump, contraria a lógica de que, uma vez lançado ao extremo, é difícil a um país retornar ao centro político?

O Trump saiu, mas o trumpismo não acabou. O trumpismo é alimentado por essa extrema direita nos Estados Unidos e, infelizmente, no Brasil, os influenciadores inclusive da direita moderada têm Trump como um bom exemplo. Graças a Deus, ele perdeu para um democrata. Apesar de ser esquerda – e você sabe que eu não sou de esquerda -, o Joe Biden é um democrata, ele respeita as instituições. Ficou a questão do terrorismo doméstico e o presidente Joe Biden tem trabalhado sobre o tema, em conjunto com parlamentares, pois sabe do perigo da radicalização. Tem o trabalho da doutora Cynthia Miller-Idriss, da American University, que ajuda o Congresso a estruturar formas de prevenção desta radicalização. E no Brasil todo mundo acha que é uma brincadeira [o perigo da radicalização].

Um livro que está sendo lançado nos EUA por dois jornalistas do The Washington Post revela como os militares norte-americanos elaboraram um plano para conter o ex-presidente Donald Trump no caso de que ele tentasse dar um golpe. Você acha que isso ocorreria no Brasil, que as Forças Armadas agiriam da mesma maneira?

Há três pontos sobre essa questão das Forças Armadas. A primeira leva de generais que assumiu cargos no governo, o que acho um erro, não tem pontos convergentes com o bolsonarismo. Nem do [vice-presidente, general Hamilton] Mourão há convergência. Outro ponto é que a extrema-direita, ela vem cooptando as forças armadas – isso acontece com muita frequência, como na Bélgica, na Alemanha, só que lá eles são muito mais rápidos para identificar e cortar o mal pela raiz. Geralmente expulsam essas pessoas que estão ligadas à extrema direita. No Brasil, tem ocorrido a cooptação dos militares, o Olavo [de Carvalho] fornece cursos gratuitos para as forças militares no Brasil desde 2019, que é um curso que radicaliza as pessoas com conceitos da extrema-direita. Já temos até caso do militar [Wesley Soares Góes, em março], em Salvador, que foi para o Farol da Barra, em um caso de terrorismo doméstico. O bolsonarismo fez a parte dele legitimando a ação. E tem os militares que ajudaram o Bolsonaro a transformar nossa democracia em um democracia militarizada. Chamei a atenção, já em 2019, que o Brasil estava se tornando a democracia mais militarizada do mundo, ganhando até para as Filipinas. Hoje são mais de quatro mil cargos para militares. Isso é um absurdo, portanto ele tem uma força muito grande dentro das Forças Armadas, não no alto generalato, mas do general para baixo, ele tem não só força, como simpatia. Então é muito possível que, numa tentativa de golpe, que eu acho que ele vai tentar, independente do resultado das eleições, ele terá apoio considerável das Forças Armadas. Mas nos Estados Unidos, eles levam isso muito mais a sério, e o Trump era um agente radicalizador.

Você acha que, apesar de não ter sido o único incentivo, a experiência petista no governo nacional está no cerne da gestação de Bolsonaro?

Com certeza são forças que se retroalimentam. Extremos geralmente se retroalimentam – o primeiro capítulo do meu livro é justamente sobre isso. O bolsonarismo não surgiu de forma espontânea. Primeiro as pessoas precisaram entrar dentro de uma bolha e essa bolha foi criada a partir do PT, porque no PT a gente tinha a patrulha – eu não vou nem entrar no caso de corrupção, porque já é caso consumado – mas nós tínhamos a patrulha, os militantes de ambientes virtuais, os MAVs, o assédio online, e isso levou as pessoas a uma bolha, que depois se tornou a bolha da direita. Nessa bolha da direita, as pessoas receberam esses conteúdos da extrema direita e se radicalizaram. Sem dúvida nenhuma, o PT tem muita culpa no cartório. Como nessa semana, tem a questão de Cuba e Lula falando que Cuba é uma democracia, de chegar ao cúmulo de dizer que os policiais não colocaram o joelho no pescoço de ninguém, mas há imagens de policiais batendo, notícia de centenas de pessoas desaparecidas. O mundo inteiro sabe que é uma ditadura, mas o PT continua dizendo que não é uma ditadura. Mas é bom lembrar que a esquerda não é somente o PT, tem partidos democráticos, como a Rede, o Podemos, e até o próprio PDT que em Salvador fez aliança com ACM Neto. Eles tentam achar uma saída e não têm mais um discurso sectário, extremista.

Como você avalia, se as pesquisas estiverem corretas, um cenário de polarização entre Lula e Bolsonaro? Vai ser necessário correr para as montanhas, tentar sumir, mudar de país? O que você acha?

Seria, mais uma vez, como já foi em 2018. Em 2018, eu errei e votei em Bolsonaro. Era pra eu ter ido pra praia comer uma passarinha, mas no segundo turno eu votei no Bolsonaro; no primeiro, votei em João Amoedo. Mas, se nesse ano, nós tivermos Lula e Bolsonaro, eu falo pra você: vai ser a primeira vez que eu vou votar em Lula. Lula é populista, é um péssimo modelo de governo, populista. Seria péssimo. Mas hoje, por exemplo, com o Haddad na Presidência da República, durante a pandemia, não estaríamos vivendo esse inferno. O PT tem ainda um certo respeito às instituições. Já o Bolsonaroismo é destruição. Eu gostaria que surgisse um candidato não populista que conseguisse unir os democratas.

*por Davi Lemos