1º lugar em Direito na Ufba, estudante diz: que a escola pública sinta-se representada

Lívio Pereira com farda e com marra. Foto: Reprodução/Facebook

Apesar de esperar dois anos pela sonhada vaga em uma universidade pública, o ex-aluno da rede estadual Lívio Pereira, 18 anos, não esperava ser o primeiro colocado na corrida por uma vaga no curso de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba). ”Eu atualizava o Sisu o tempo todo durante três dias. Corri gritando pela casa quando vi meu nome lá e minha mãe achou até que eu estivesse doido”, brinca o jovem, relembrando o dia da aprovação. Mas ser advogado é plano para o futuro. O que o estudante – morador da Boca do Rio, em Salvador, filho de uma empregada doméstica e de um motorista de ônibus – pretende agora é atualizar as séries que curte na Netflix. Mesmo levando o 1º lugar numa das mais conceitudas faculdades de Direito do país, Lívio conta que nunca foi um aluno excelente ou o 1º da classe. A preocupação com os estudos, no entanto, chegou durante o 3º ano do ensino médio. ”Com a pressão do Enem e do vestibular, eu comecei a estudar”, contou ao CORREIO, com bom humor característico. O rapaz foi aluno do Colégio Estadual Anísio Teixeira, no bairro da Caixa D’Água, local em que despertou nele o sonho de seguir a carreira jurídica. ”Eu fazia um curso técnico de segurança no trabalho e já pegava matérias específicas, que abordava conteúdos de Direito no primeiro ano. Foi aí que descobri que queria fazer o curso”, conta. O rapaz diz que agradece aos professores da instituição pelo apoio com a escolha do curso. “Lembro que eles fizeram um teste vocacional pra mim, na época”, relembra.

Representatividade
Negro, morador da periferia, filho do motorista de ônibus Antônio Carlos e da doméstica Cristina Pereira, Lívio é o primeiro da família a entrar em uma universidade pública. Ele diz que o sustento da casa vem do salário do pai e que a mãe mal completou o ensino fundamental. ”Eu agradeço muito a Deus porque não precisei trabalhar, como meus outros colegas. Mesmo sendo humilde, meus pais me deixaram ficar só estudando”, relata. Por falar em colegas, Lívio quer que sua conquista sirva de exemplo para outros estudantes de colégios públicos.

Batalha
Em 2016, Lívio prestou vestibular para Psicologia, mas não foi aprovado. Ele atribui o revés à falta de tempo para se dedicar completamente aos estudos. ”Eu fazia o último ano de manhã, estudava de tarde e fazia um cursinho pré-vestibular à noite, no Barbalho”, explica. O curso, que na época custava R$ 150, era garantido por uma boa fatia do salário do pai. Foi no ano seguinte que ele resolveu ”se isolar” para estudar. O jovem saiu de Salvador e foi passar a maior parte do tempo na Ilha de Itaparica, em uma casa de veraneio da família.

Técnica de estudo
Como dessa vez o jovem estava sozinho, sem ajuda do cursinho, criou uma técnica diferenciada que funcionava à base de frases de incentivo. Às 6h30, por exemplo, o despertador tocava com as mensagens: ”Dormir não lhe torna advogado” ou ”Acorda, espartano!” Meia hora depois era hora do café. Das 7h às 12h, o jovem estudava os conteúdos relacionados à área de Humanas. No almoço, Lívio ainda assistia vídeo-aulas para “não perder o foco”. De tarde era a hora de estudar Exatas e, de noite, era hora de se debruçar sobre a resolução de questões. “Fiz todas as provas do Enem, (aplicadas) de 2009 até 2017”, conta orgulhoso. Depois, ele começou a resolver provas de universidades de outras regiões, como a Fuvest (São Paulo). Outra técnica adotada pelo rapaz foi criar um ”cantinho do guerreiro”, um espaço que era usado apenas como local de estudos.

Diferenciado
No rolê (convívio dos amigos), Lívio é conhecido como Coroa. O apelido, segundo ele, veio por causa do seu gosto por cantores antigos, como Renato Russo, da Legião Urbana.